sábado, 2 de janeiro de 2010

FAZ HOJE 30 ANOS QUE...




Estávamos no dia 02 de Janeiro de 1980, quarta-feira. Era Janeiro, mês das noites de Luar e dos gatos! A geada, que cobria os lameiros daqueles vales, só se iria desvanecer com os primeiros raios de sol, mas somente nas encostas viradas a Sul. Depois da rambóia da passagem do ano, do aconchego do lar, das sopas de café com leite que a minha mãe me levou à cama no primeiro dia do ano, tinha acordado com o som do bater das enxadas nos balcões (escadaria de pedra),que os trabalhadores, da casa agrícola do meu velho, faziam propositadamente para anunciar o enrego ao serviço. Era a época da poda das vinhas. Menino e moço, com sonhos altos, muito para além do cume dos montes que teimavam em condicionar-me os horizontes, mas já com coiro para justificar as sopas, lá fui aos comandos do tractor vinhateiro Kubota, estrada fora, caminhos adiante, rasgando o frio gélido dos ares dos campos. Chegado à quinta do Val-de-Infesta, pela hora do almoço, entre uma sardinha assada servida numa fatia de broa, uma malga de vinho, e o olhar distante, entre as Serras da Estrela e do Caramulo, fui interpelado pelo Ti António - então o menino Quinzinho vai estudar para qual Universidade?- peremptório e seco respondi - Açores, Instituto Universitário dos Açores- e voltei-me para lá da serra do Caramulo, era pr'áqueles lados o meu destino. Pelas 13 horas, hora do jantar, (porque nas Beiras, os costumes da época eram antigos e de manhã desjejuava-se, por volta das 10 horas almoçava-se, o jantar era às 13 horas, a merenda às 16 e à noite a ceia) a senhora Maria, quando me entregava o prato de bacalhau com todos, acabado de fazer na panela de ferro, ali na lareira casa de cima, olhou-me e perguntou - o menino já ouviu as notícias do terramoto dos Açores?- gelei! - Qual terramoto Ti Maria?- e ela lá me contou as novidades que ouviu na telefonia. Não mais descansei, nervoso já estava, e agora esta coisa do terramoto, não consegui conter a ansiedade em chegar a casa e ligar a televisão para ver as notícias no primeiro canal.
E assim se passou o tempo, até que à noite, depois da ceia, na sala da televisão, os quatro, o meu Pai, a minha irmã, a minha Mãe e eu, fixámos os olhos no pequeno televisor a válvulas, dos poucos que a aldeia tinha, imagens a preto e branco, e silenciosamente escutámos as notícias entre imagens de horror e destruição. A minha mãe, suspirava, e nada dizia, mas num assomo de ternura e preocupação, chegou-se a mim, colocou-me a mão na cabeça e... - Quinzito, meu filho, ainda queres ir para os Açores?- permaneci silente, senti os olhares da família deixarem o écran do televisor e dirigirem-se para mim. Baixei o olhar, voltei a fixar o televisor, foram segundos que pareceram horas, fiz figas, levantei o olhar e disse-lhes - Minha Mãe, eu vou, mesmo assim, eu quero ir!
Faz hoje 30 anos que... continua.

7 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Amigo Marques, agora que a tua história toma corpo e se reveste de curvas e contra-curvas esculpidas pela mão do mestre, fico ansioso pelo enredo que se desenrolará de forma nobre, subtil mas, como é teu cunho, avassaladora tal qual terramoto de 1980... começo a gostar (assumo que fui injusto no primeiro comentário a esta tua crónica, me curvo perante ti...!)

Graciete disse...

Meu querido Marques,
Excelente relato. Excelente crónica!
Reafirmo ainda com mais firmeza tudo o que te disse aquando da 1ª crónica.
Cheia de imagens e pormenores que prendem a atenção de quem lê; não fosse uma história verídica, que se cruza em alguns aspectos com as de outros colegas -a minha também que entrei em 1982 - e que tiverem todos o mesmo destino: o DCA.
Na ilha das Flores, sei que os Florentinos utilizam ainda hoje a mesma terminologia dada às refeições que referiste.
Aguardo ansiosamente as restantes e...onde irás parar! :-)
Beijinhos


PS: estes mais novatos, como o caso do colega que acima comenta, não entendem mesmo nada disso!
Não acredites nas curvas e contracurvas dele!

Joaquim Marques AC disse...

Decidi que não iria responder aos comentários desta minha nova rubrica, quem gostar gosta, quem não gostar, paciência!
Mas há uma coisa que me intriga, e por isso mesmo, mais forte que eu, portanto, como não há regra sem excepção, aqui vai o reparo:
Jorge,
reparei, e não me sai da cabeça este excerto do teu comentário "...a esta tua crónica, me curvo perante ti...!)". Me curvo perante ti, parece-me um bocadinho abichanado, cheira-me a veado sul americano. Estaria contido e sem querer aflorou, ou foi um lapso?

Unknown disse...

Não de facto, é realmente meio abichanado, meio parecido com "abraços envolventes..." e mais não digo!

Joaquim Leça disse...

Marques,

Numa palavra, fantástico. Quero mais!

Aqui na Madeira há 50-60 anos atrás, o horário das refeições é esse que tão bem descreves. Como o país é pequeno!

Abraço e bom ano!

Joaquim Leça disse...

... o horário das refeições era (e não... é, como está no comentário!).

;-)

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