
Em alturas em que nem a velhinha CEE existia, já Solipa das Neves viajava por muitos países da Europa. E fazia-o de forma recorrente.
Era, inegavelmente, um aluno que vinha “… de outros meios…”. Dotado de uma grande energia, imaginação e de um poder de execução determinante e célere. Também fez greve!
Pertencia aos que exibiam “… uma tensão psicológica e nervosa que é notória …”. E notava mesmo! Tanto que já nem se lembra em qual local das instalações fez piquete!
Concentro-vos agora numa das nossas tensões: o Carnaval.
E terá sido neste ano de 1984, um pouco antes da notícia da nossa grave ser publicada no “Diário Insular”.
Os dias de celebração do Carnaval eram mais que três e era o Santiricon que nos proporcionava a euforia desta época.
Fantasias? Muitas! Pedíamos as roupas “da América” à nossa senhoria, uma maquilhagem bem adequada, sapatos comprados (verdade) para tal ocasião, uns adereços para o toque final, e estavam criadas as personagens propositadamente provocadoras, personificadas por mim e pela Goreti.
Carlos Solipa resolveu, nesta Carnaval, ser taxista. Ora nem mais! Detentor de carteira profissional e profundo conhecedor da ilha, era vê-lo a circular e também estacionado na Praça Velha. À data dos acontecimentos, este local era frequentado por singulares personagens, que ainda estão nas memórias de muitos, com histórias verdadeiramente inéditas!
No Convento, a noite começava a ser preparada, talvez já iniciada na Casa do Povo ou no Serafim, e esperávamos para que o Solipa terminasse a sua jornada.
Fantasia obrigatória para entrar no Santiricon. E convencê-lo a vestir? Foi tarefa difícil, reservada para mim e para a Goreti. Mas … lá conseguimos! Calças, casaco, e não sei mais o quê, da mesma proveniência das nossas, e obviamente tudo a condizer, e ele ficou, direi, quase irreconhecível! Tal arte de transformação!
Lembro-me do Carlos perguntar:
- Mas eu estou disfarçado de quê?
E nós rodeávamos a pergunta, porque não havia resposta!
E ele insistia, e insistia, e nós já sem qualquer argumento minimamente razoável, a não ser socorrermo-nos de umas “cervejolhas”, como ele dizia, para fazer parar as questões pertinentes que se levantavam. E resultou!
Seguiu-se a ida de táxi para a discoteca e a diversão normal.
Hora de regressar, certamente quando as luzes já estavam acesas, e vinda de táxi para a Terra Chã, mais precisamente, para o largo da Igreja, penso que perto do Convento, ou por aí.
Para além de nós os três, também o Níger apanhou boleia. Não me recordo se mais alguém se juntou nesta viagem e assistiu ao que a seguir se passou, já quando nada fazia prever que a mesma assim acabasse.
O Níger saiu para recolher aos seus aposentos, e relembremos a sua figura bem alta e magra, e Carlos Solipa decide fazer um recuo. E eis que sentimos logo que algo se passava! Carlos Solipa, bem aflito, mas mesmo a sério, rapidamente disse:
- F… matei o homem! F… matei o gajo!
E repetia, e repetia, mesmo depois de sairmos do táxi para defrontarmo-nos com a realidade de tal acto.
Que instantes de tão grande inquietude e aflição!
E deparámo-nos com o Níger caído no chão, não sei se só do toque, porque a inércia era visível, mas nada lhe aconteceu, felizmente. Que alívio, sentimos todos.
Recordamos esta aventura, várias vezes, entre nós, e queríamos contá-la. Fui apenas, a “porta voz da escrita” desta aventura que é assinada por nós.