Praiense por nascimento, a poesia atravessa o seu imaginário desde muito cedo. Andarilha dos caminhos deste mundo, a poetisa já viveu nos Açores, reside actualmente na Holanda e, em Fevereiro último, lançou em Lisboa “Poesia das Lágrimas”
É a primeira obra poética publicada por Glória Monteiro. Mas a Poesia muito cedo se lhe colou à pele, na Terceira (Açores) para onde emigrou com a família. “Poesia das Lágrimas”, com chancela da “Chiado Editora”, viu a luz do dia e fez-se aos leitores em 22 de Fevereiro último na “Livraria Les Enfants Terribles”, na capital portuguesa, e contou com a apresentação do poeta Mário Matta e Silva, uma das referências poéticas de Glória. Cabo Verde Directo falou com a poetisa em Roterdão, aqui fica o registo da conversa.
Cabo Verde Directo: Para começar, gostaria que fizesses para os leitores uma breve apresentação da tua pessoa. Quem é Glória Monteiro?
Glória Monteiro: Isto de nos descrevermos é de facto uma tarefa complicada, principalmente a quem escreve poesia e encara o melhor e pior de si todos os dias com uma frequente mudança de interpretações de cada detalhe, por isso vou-me restringir a factos que facilmente se podem enumerar. Nasci no dia dedicado ao amor e aos enamorados decorria o ano de 1985, na cidade da Praia, em Cabo Verde. Sou originária de uma família humilde e bastante numerosa. Depois de um percurso escolar igual a tantos outros, terminei o Secundário e surgiu a possibilidade de rumar para outros mundos. O destino foi novamente uma ilha, bastante longe mas ainda assim com muita proximidade, das quais destaco a língua que me facilitou a integração. Na ilha Terceira [Açores] licenciei-me em Engenharia e Gestão do Ambiente, entre actividades como desporto e tuna. De seguida inscrevi-me no mestrado de Gestão e Conservação da Natureza que actualmente frequento. De outros factos relevantes na descrição de quem sou, saliento o de ser representante do Movimento Pró-África na Holanda, onde actualmente resido. Hoje não podia deixar de ser a Glória sem o amor da minha vida, um homem de 2 anos chamado Gabriel.
Fizeste o teu curso num arquipélago em Cabo Verde e nos Açores. Quais as similitudes entre os dois arquipélagos?
Existe um mundo de diferenças entre estes dois arquipélagos, as suas cores e seus cheiros, suas gentes e suas culturas, mas existe simultaneamente uma linha condutora que aproxima estes pedaços de terra distantes mas próximos do meu coração. Aspectos em comum são vários, o mar sempre presente no olhar e no aroma, a brisa permanente e salgada, as paisagens deslumbrantes são comuns. São diferentes em ambos os arquipélagos, claro, mas ambos nos fazem sentir pequenos perante tamanha obra divina. A beleza e serenidade do povo açoriano podem por vezes contrastar com a vivacidade e o calor das gentes de Cabo Verde. Mas se existe nos Açores uma ilha festiva, ilha essa que é de facto a Terceira, são as touradas, os bailinhos de Carnaval e as festas do Espírito Santo que perduram durante quase todo o ano. Esta vontade de festejar a vida é algo que encontrei em comum com as minhas origens.
A integração foi fácil? Fala dessa tua passagem pelos Açores…
O povo açoriano tem vindo a crescer na percepção das dificuldades que um jovem enfrenta ao emigrar, algo que me ajudou a fazer também amizades fora do meio universitário, até porque existem muitos cabo-verdianos pelos Açores.
No entanto, quando cheguei à ilha Terceira foi difícil, tudo em mim eram saudades e por isso isolei-me e tive alguma dificuldade inicial em me integrar. Nessa fase sentia-me sozinha, e mesmo falando a mesma língua vivi situações em que me exprimia e não era entendida ou era mesmo mal interpretada. Mas, com o tempo, fui conhecendo as diferenças nas palavras e nas emoções das pessoas que ia conhecendo. E, claro, ao me abrir ao mundo ele também se abriu para mim e por isso essas dificuldades foram sendo ultrapassadas. Por outro lado, fui percebendo que a maioria dos alunos universitários da ilha é deslocado, ou porque é de outra ilha ou do Continente, isso ajudou a sentir-me mais igual. Momentos bons e maus temos em qualquer lado, mas a experiência nos Açores foi globalmente muito positiva, cresci, licenciei-me, deixei amigos para a vida naquelas ilhas. E até os momentos mais desesperantes de saudade tiveram o seu fruto: cada vez que me sentava e passava esses sentimentos ao papel.
Quando é que começastes a escrever? Sempre escrevestes poesia?
Tenho a escrita como um refúgio quase desde que me lembra de ser gente. Desde os meus 8 anos que escrevo, claro que na altura não sob a forma de poesia mas sobre a forma de uma criança, genuína, inocente e cheia de sonhos que sentia uma necessidade de extravasar sentimentos para um papel, tirar coisas do peito parece que as tornam menos pesadas, ainda hoje sinto isso. Marcou-me especialmente um evento, um concurso de literatura na minha escola primária, fiquei no terceiro lugar. Meu coração explodia de alegria e de orgulho por tal feito… Tinha um outro motivo especial para pegar numa caneta e num papel, meu pai era emigrante e sempre que a saudade apertava escrevia-lhe cartas. Desde então nunca parei…. é uma forma de a minha alma comunicar com o mundo exterior através das palavras.
“Poesia das Lagrimas”, é o livro que lançaste recentemente em Lisboa. Que particular razão te levou à escolha do título?
Escrevi este livro em momentos repletos de emoção. Imagino não ter escrito uma frase sem uma lágrima. Vivi intensamente a adolescência e juventude e esta “Poesia das Lágrimas” retrata a dor vivenciada nesse tempo, os turbilhões de sentimentos, os amores e desamores, as paixões que achamos eternas, a loucura sempre presente, os sorriso e as lágrimas, a dor e o desespero.
Qual a temática ou temáticas que te inspiram para escrever? Neste teu primeiro livro que género poético o leitor pode encontrar?
A única coisa que me inspirou foi a vida. É sobre isso mesmo que escrevo. Sobre as saudades, sobre crescer e sofrer, sobre amar. Tem tantos temas e tantos sentimentos diferentes que não dá para dizer um tema. As minhas poesias não seguem rigorosamente nenhum estilo, é como as nossas vidas que por vezes decorrem sem termos controlo. Escrevi o que me ia na alma e nada mais espero.
Que poetas te inspiram?
Adoro a poesia da Florbela Espanca, para mim é uma das melhores poetisas do mundo, e se tenho um ídolo ela seria de facto um deles, a forma como ela grita pelo amor, os detalhes que consegue exprimir em palavras são avassaladores. Quando leio a obra dela, desaparece o receio de expor a minha alma nua.
Cabo Verde tem marcado pontos também na Literatura, dos escritores cabo-verdianos, quem admiras? E quais influenciam a tua escrita, de Cabo Verde e deste nosso mundo?
Relativamente a Cabo Verde, gosto particularmente de Vera Duarte, desde pequena que a admiro, digamos que ela é a minha Diva cabo-verdiana. Mário Lúcio é, sem dúvida, um dos melhores, a simplicidade com que ele descreve os sentimentos é extraordinária e Danny Spínola também foi marcante para mim.
Em relação a poetas estrangeiros são um mundo deles, e sei que vou deixar imensos para trás, posso mencionar o Vinícius de Morais, Mário Matta e Silva, Pablo Neruda, Fernando Pessoa Julião Sousa, Cecília Meireles…
A publicação de uma obra literária é sempre difícil. Quais as dificuldades que encontraste para a publicação do teu livro?
Penso que editar um livro é sempre difícil, mas essas dificuldades acrescem quando o possível mercado para o livro diminui. A Poesia tem um público limitado, e é difícil obter sucesso comercial. Sempre haverá um conjunto restrito de pessoas que gostam e, principalmente, compram poesia. É um nicho difícil de explorar. Com os tempos mais difíceis que se vive por Portugal e por essa Europa fora, que se reflete no facto de nunca ter conseguido trabalho na minha área de formação, uma das maiores dificuldades que tive foi financeira, mas com muito esforço o dinheiro nem parece importante, quando o sonho e força de vencer é maior. Espero que gostem desta minha partilha.
Depois do lançamento em Portugal, tens previsto fazê-lo em outras paragens?
Depois do lançamento em Portugal e arquipélagos, está prevista uma apresentação aqui na Holanda, no Luxemburgo e França. Solicitei também apoios para levar este meu contributo ao meu povo em Cabo Verde. Se tudo correr bem, ainda este ano estarei em Brokton com a ajuda do Movimentu Chokanti.
Como foi o lançamento em Portugal?
Foi um sucesso. Consegui demostrar aos meus leitores, que não há dificuldade que não se possa ultrapassar quando o sonho é grande, quero gritar-lhes com a expressão da minha face e com o desfolhar do meu livro que o amor abre todas as portas do sucesso, que o sonho é o elevador da felicidade.
Há quanto tempo vives na Holanda e como tem sido a tua integração?
Há cerca de um ano. A integração é tao difícil quanto a língua e o clima, mas a força de um objetivo de melhorar de vida vence quaisquer obstáculos.
Entrevista conduzida por Norberto Silva